Teólogos desconstroem tese que associa tragédia humanitária na Síria à profecia de Isaías 17

A intensificação do conflito na Síria levou muitos cristãos a compartilharem uma passagem bíblica do livro do profeta Isaías (17:2) que previu a destruição do país. A tragédia contemporânea, no entanto, não se encaixa nessa profecia, de acordo com opiniões de teólogos brasileiros.

O pastor e teólogo Yago Martins, do canal Dois Dedos de Teologia, no YouTube, publicou um vídeo comentando o cenário e fazendo uma análise sobre o conflito entre parte da população e as forças de apoio ao ditador Bashar al-Assad.

“As pessoas estão relacionando Isaías e as profecias sobre a destruição da Síria, principalmente Damasco, capital da Síria ao que está acontecendo agora […] Eu vi uma postagem de um cara no Facebook que já tinha mais de 40 mil compartilhamentos, falando que a palavra de Deus estava se cumprindo na Síria através da destruição da Síria e das profecias que a gente encontra no Antigo Testamento. O homem estava se vangloriando, dizendo que a Bíblia é um livro que nós devemos prestar atenção, porque mostra a profecia sobre futuro e coisas desse tipo”, contextualizou.

“Isso é uma coisa extremamente triste em dois pontos de vista: teológico e humano. Primeiro porque o momento de comoção de dor como essa, o que as Escrituras nos recomendam é um momento de luto e tristeza. No fim da carta de Tiago é falado que o cristão deve ser alguém que chora com aqueles que estão chorando”, argumentou.

“Nós devemos ter uma postura de tristeza diante daqueles que estão entre as vítimas. Quando a gente observa algo acontecendo, uma catástrofe acontecendo, a nossa postura como cristão é de dor e de empatia. Se você acredita e fica alardeando sobre profecia de Isaías você é um animal. Não de nível intelectual, mas de nível humano”, criticou.

“Geralmente é nossa postura contra-argumentar de forma respeitosa e educada. Mas essa postura de cinismo é um animalidade. As profecias de Isaías são endereçadas ao momento de um período específico da história de Israel, que se cumpriu há 2.700 anos, quando os assírios invadiram a Síria por causa das alianças que ela fez com Efraim”, explicou Martins.

“Você lê sobre isso em Isaías 7, a profecia falando que a Síria seria destruída dentro daquele contexto, sendo invadida por um grupo específico. Não importa o que está acontecendo com a Síria, são questões políticas [atuais]. Mas, não tem nada a ver com as profecias de Isaías porque elas já se cumpriram, dadas ao período. Qualquer teólogo conservador com mínimo de tico e teco na cachola consegue ler o texto e ver o que está falando”, acrescentou, expressando indignação com o viral.

Assista ao vídeo:

[youtube=www.youtube.com/watch?v=WKCVaqF5G4Y]

Leviandade teológica

Outro teólogo que se posicionou contra à difusão do viral que associa a tragédia na Síria atual com a profecia bíblica foi o presbiteriano Lucas Freitas, que usou sua página no Facebook para compartilhar uma longa reflexão sobre o assunto, levando em conta parâmetros históricos e teológicos e considerado o boato uma “leviandade teológica”.

Em uma crítica contundente quanto à falta de conhecimento teológico entre os evangélicos, Freitas – que atua como missionário – contextualizou a passagem bíblica: “Se vocês lerem o livro todo do profeta, perceberão que ele está descrevendo uma série de juízos de Deus sobre inúmeros povos, pela apostasia e rebeldia que estes povos praticaram contra Ele àquela época. Tais juízos foram testificados e narrados pela própria Escritura nos livros dos Reis”.

“Se a profecia de Isaías cumpriu-se 2.700 anos atrás para todos os outros povos descritos no texto, incluindo povos até mesmo inexistentes atualmente, por que deveríamos imaginar que apenas para a nação síria a profecia está se cumprindo hoje?”, questionou Freitas.

Em outro ponto, o teólogo lamenta que os boatos se repliquem de forma tão fácil: “Uma geração inteira de cristãos que foram ensinados a desvalorizar as escolas bíblicas, a demonizar e marginalizar o estudo teológico, a preterir a leitura e a meditação sobre a Bíblia e sobre bons livros, em face de uma prática de fé predominantemente vinculada a eventos, sentimentalismo, emocionalismo, materialismo, busca por sinais e maravilhas, e uma ânsia desenfreada por relacionar qualquer fato mais proeminente das relações internacionais, a algo que a Bíblia supostamente tenha apontado escatologicamente”.

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